foto: Nuno Guerreiro Dias
a theo angelopoulos
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paredes a cântaros
da noite seca
escancarada do tempo,
janelas e portas
de correntes de ar agudas,
soporíferos recônditos
de correntes de ar agudas,
soporíferos recônditos
e vertiginosos
de um silêncio prematuro
de um silêncio prematuro
que cobre
estradas e veredas
como a erva daninha,
como a erva daninha,
reina, o medo.
um caminho bombardeado e submerso
de pairar
de pairar
por entre os corpos
a cidade
vazia e deserta
fria
a estalar os ouvidos
e arrepios.
fria
a estalar os ouvidos
e arrepios.
já não há gatos
nem grilos
ou os gritos roucos de um animal
uma festa,
apenas paredes brancas
e sombras a esqueleto
decalcada da maior fome que o estômago
e, a preceito,
o sinistro romper das auroras
prateado
de locomotivas
que não vão a lado nenhum.
em mangas de casaco
e papéis de bolso,
eu e tu trocamos os silêncios,
duas pessoas que caminham só
e a sós para sempre
de manhã à madrugada
de duas sombras
embrulhadas na roupa
de um inverno longo e cavernal,
de um fogo que arde agora
de incêndios e azul,
que fareis das noites geladas
de um silêncio de insecto degolado
de um segredo
de um segredo
que fareis
desse silêncio
desse silêncio
até aos pés
como árvores
a entrincheirar-se no escuro
como árvores
a entrincheirar-se no escuro
e o que viram, caminharam
não souberam compreender?
que fareis desse tumulto contido
que ainda não arde nem labaredas nem pinceladas
palavras de ordem
palavras de ordem
ou janelas de um comboio
quando tudo passa calmo e quieto
e quente
e quente
arde
permanentemente até ao fim
quando o mundo ainda não acabou?
que fareis
das desfaceladas solidões
do amor a par e passo
impedido
no holográfico e monumental medo
escancarado
dos tempos,
as ruínas,
as ruínas,
que fareis?
enfim, o tempo parou-me como um susto.
pela boca
que entope o ar
da chuva molhada,
a cabeça seca
decantada em tinta
máquina de escrever
decantada em tinta
máquina de escrever
e descalços
carecas, os joelhos
de tanto colobrejar,
carecas, os joelhos
de tanto colobrejar,
quer dizer, a hora da morte
de uma escrita,
o nevoeiro e o fim de um tempo,
não a noite
mas os candeeiros acesos
e as luzes
e as luzes
das estradas, saídas,
muitos caminhos enfim de pessoas
enfim em que se pode atravessar
muitos caminhos enfim de pessoas
enfim em que se pode atravessar
e pensar o mundo
e acreditar no que se vê.
da história,
ninguém quis saber,
eram as horas contadas
dos comboios que exilavam
sem fumo ou neblina
ou as pessoas a desaparecer
por completo
por completo
no silêncio inquieto
dos rastos
que levavam lá dentro
os livros de memórias
o lusco-fusco
de um barco sem ir ao fundo
ou a vitória rara de um tempo,
partindo também.
são estas as mãos que escrevem agora
de um fim de um tempo
que nunca ninguém há-de ler
nem nunca a história conhecer,
porque se há-de apagar
em cinzas,
e, de tudo,
em cinzas,
e, de tudo,
um maior e esquecimento absoluto
de que apenas sobrarão as pessoas
ruínas delas
e as luzes acesas.